Especialistas indicam propostas para um futuro com alimentação saudável, frente a mudanças climáticas, fome e doenças crônicas

Publicado em: 12/09/2022
Pesquisadores reunidos em São Paulo a convite da Cátedra Josué
de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis
elaboraram documentos com conjunto de propostas e soluções
contra os principais problemas relacionados aos sistemas de
produção, comercialização e consumo de alimentos no Brasil

Um grupo com alguns dos principais pesquisadores em alimentação do Brasil, reunido a convite da Cátedra Josué de Castro, elaborou propostas para pensar o futuro dos sistemas alimentares. Eles apresentam medidas para resolver problemas decorrentes da produção, distribuição e consumo de comida no país. Os especialistas prepararam quatro textos que agregam indicadores e compilam ações políticas e iniciativas da sociedade civil, bem como oferecem diretrizes voltadas a combater, entre outros, o recrudescimento da fome; as mudanças climáticas; e o aumento de doenças crônicas não transmissíveis relacionadas à má alimentação e ao consumo de alimentos ultraprocessados.

Os documentos são fruto de uma série de oficinas realizadas entre maio e julho de 2022 pela cátedra vinculada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Os participantes do encontro, que contou com integrantes da academia e da sociedade civil, reuniram evidências científicas com o objetivo de reconhecer os problemas relacionados ao modo como estão constituídos os sistemas alimentares atualmente; além disso, propuseram soluções.

Os dois primeiros documentos foram lançados na última 3ª (6/9) – acesse clicando nas imagens:

No campo da saúde pública, há para os especialistas dois desafios principais: reduzir os índices de desnutrição, em especial nas populações socialmente mais vulneráveis, como indígenas e quilombolas; e diminuir a incidência de doenças crônicas não transmissíveis. Inquérito da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN) indica que mais da metade (55,2%) dos lares brasileiros enfrentava algum nível de dificuldade para se alimentar em 2020. Em paralelo, a quantidade de pessoas acima do peso ou obesa alcançou, respectivamente, 57,5% e 21,5% dos adultos do país no mesmo período, segundo dados do governo federal.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é visto como a principal estrutura capaz de articular as ações necessárias para lidar com os desfechos em saúde relacionados à alimentação. “O fortalecimento do SUS é fundamental para que o setor saúde possa propor, gerir, implementar, avaliar e fiscalizar políticas que atuem sobre os sistemas alimentares”, afirmam as nutricionistas Fabiana Alves do Nascimento e Ana Paula Bortoletto Martins, que participaram das oficinas e sintetizaram as discussões relativas à saúde pública em um texto. Ambas indicam ações como aprimorar a abordagem alimentar na atenção primária e fortalecer a legislação para restringir o comércio de comida ultraprocessada — que está relacionada a diversos males de saúde.

As mudanças climáticas também ocuparam as discussões dos pesquisadores. A agropecuária, no Brasil, é a principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa. Em média agregada, desde 1990, o setor responde por 80% de toda poluição climática gerada pelo país, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG). Só em 2020, 46% do total de emissões (mais de 997 mil toneladas de CO2) decorreu de queimadas para abrir áreas para criação de gado ou produção de grãos, segundo o SEEG; além disso, outros 27% vêm de outras atividades rurais, como o cultivo de arroz ou a fermentação de digestiva do rebanho bovino.

Diante do desafio de mexer em um dos mais dinâmicos setores da economia brasileira, especialistas recomendam a transição para um modelo de produção agropecuária que considere pressupostos agroecológicos, reduza o uso de agrotóxicos e controle o impacto ambiental da cadeia produtiva da carne, além de valorizar a sociobiodiversidade. “É importante considerar que o tema afeta todo o território brasileiro e que as ações não podem se limitar ao âmbito federal, mas devem também ser discutidas e articuladas nos estados e municípios que têm maior capacidade de pensar ações adequadas a seus territórios”, diz a pesquisadora Potira Preiss no segundo texto produzido.

O papel do Estado para conduzir as transformações necessárias nos sistemas alimentares do Brasil é fundamental. Essa é a avaliação dos autores do terceiro texto fruto das oficinas organizadas pela Cátedra Josué de Castro [a ser publicado em breve]. Para chegar a tal conclusão, eles lembram que a atual configuração dos meios de produção, distribuição e aquisição de comida só foi possível após grandes intervenções estatais, como em ações como a chamada “Revolução Verde”. Cabe, assim, tanto aos governantes e legisladores quanto aos integrantes do judiciário prepararem um conjunto de medidas a fim de dar diretrizes para construir um Novo Sistema Alimentar Brasileiro.

Essa nova configuração da alimentação no país deve priorizar a promoção da saúde coletiva e a proteção do meio ambiente. Além disso, precisa ser projetada não só no território nacional, mas também internacionalmente. “Para fazer frente a isso, é necessário construir uma ampla aliança política que articule os atores chaves interessados no combate à fome e à insegurança alimentar, por um lado, com os atores chaves interessados na promoção da alimentação saudável e no enfrentamento à crise climática”, declara o economista Arnoldo de Campos. 

Com esse conjunto de diretrizes e ações, o país deve encontrar, enfim, um conjunto de políticas que visem deixá-lo livre da fome. Isso só será possível, de acordo com os especialistas, se o Estado assumir que o combate ao problema é uma das questões centrais do país. A chaga que se tornou latente desde o início da pandemia de Covid-19 em 2020, apesar de ser um problema que demanda soluções rápidas e emergenciais, é, recordam os pesquisadores da cátedra, uma constante histórica no país. Os especialistas chamam a atenção para a necessidade de reconstruir políticas que foram exitosas para retirar o Brasil do Mapa da Fome em 2014, mas não só. Recomendam, por exemplo, a constituição de uma estrutura mais robusta de compras públicas de alimentos, envolvendo várias etapas da logística do comércio e aquisição de comida. 

Sobre as oficinas

Realizadas entre maio e julho de 2022, as oficinas integram o projeto “Geografia da Fome, 75 anos depois: novos e velhos dilemas”, que atualiza o pensamento de Josué de Castro para o atual contexto brasileiro. 

Entre os participantes, estavam Tereza Campello, ex-ministra de Combate à Fome e Desenvolvimento Social, que é professora-titular da Cátedra Josué de Castro; Patrícia Jaime, referência em políticas de alimentação e nutrição, pesquisadora do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo); o economista Ricardo Abramovay, professor do Programa de Ciência Ambiental do IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente) e autor do livro recém-lançado “Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza” (Editora Elefante); e José Graziano da Silva, ex-presidente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); além de dezenas de outros pesquisadores e integrantes da sociedade civil.

Sobre Josué de Castro

Reconhecido pela valiosa contribuição no combate à fome, Josué de Castro (1908-1973) também foi pioneiro no pensamento social brasileiro ao tratar da questão alimentar de forma integrada e multidimensional, articulando-a com aspectos sociais, culturais, territoriais e da saúde coletiva.

Sua atividade envolveu o exercício de profissões como médico, nutrólogo, professor, geógrafo, cientista social, político, escritor e ativista. E sua extensa obra inclui: Geografia da fome (1946), Geopolítica da fome (1951), Sete palmos de terra e um caixão (1965) e Homens e caranguejos (1967).

Entre 1952 e 1956, também foi presidente do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e, em 1963, tornou-se embaixador brasileiro na ONU. Em 1954, recebeu o Prêmio Internacional da Paz, concedido pelo Conselho Mundial da Paz. Além disso, ele foi indicado ao Nobel da Paz em 1953, 1963, 1964 e 1965.

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