Em meio a eventos climáticos extremos em todo o mundo, o último trimestre de 2024 marca uma série de encontros internacionais para debater e definir compromissos dos países em relação ao futuro e preservação da vida no planeta.
- COP 16 da Biodiversidade: 21/10 a 01/11 – Cali, Colômbia
- COP 29 do Clima: 11/11 a 22/11 – Baku, Azerbaijão
- Reunião de Cúpula do G20: 18 e 19/11 – Rio de Janeiro, Brasil
A COP da Biodiversidade, realizada de dois em dois anos, que também é organizada pela ONU, tem a natureza como tema central. Preservar a diversidade biológica e garantir o uso sustentável da nossa biodiversidade é um dos grandes desafios para termos sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis.
Em texto de Opinião, publicado no Nexo Políticas Públicas, Arilson Favareto e Fernanda Marrocos, da Cátedra Josué de Castro, analisam os resultados do encontro diante do contexto atual.
De Cali a Belém – os resultados da COP da Biodiversidade e seus impactos para a transição dos sistemas agroalimentares
Existe claro contraste entre o sentimento de urgência envolvendo o papel dos sistemas agroalimentares na crise ambiental contemporânea e a velocidade com que são tomadas decisões no âmbito da governança global. A realização da Conferência das Partes sobre a Convenção da Biodiversidade Biológica (COP16) em Cali, Colômbia,nas últimas duas semanas,reforça ainda mais essa sensação.
A versão recente da avaliação dos Limites Planetários mostra que seis das nove fronteiras críticas para a estabilidade e resiliência do sistema terrestre – incluindo a biodiversidade – já foram ultrapassadas. E relatório do WWF aponta declínio de 73% das populações de vida selvagem monitoradas nos últimos 50 anos, evidenciando um sistema ecológico em colapso.
Mais de dois terços dessa erosão da biodiversidade global está associada direta ou indiretamente aos modos de funcionamento dos sistemas agroalimentares, segundo dados da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Isso acontece pela contínua apropriação de áreas antes ricas em diversidade biológica para satisfazer a expansão da oferta alimentar, e pela monotonia de espécies cultivadas e utilizadas no modelo predominante da alimentação humana, com forte participação da produção de grãos voltados à criação animal e à indústria de ultraprocessados.
Na última COP da Biodiversidade, em 2022, foi estabelecido o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (KMGBF, na sigla em inglês), com metas para alterar esse quadro até 2030. Para a COP de Cali, deste ano, eram grandes as expectativas de que os países apresentassem suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANBs) alinhadas com estas metas. Esperava-se, que as EPANBs trouxessem uma abordagem capaz de conectar proteção e restauração da natureza com segurança hídrica e transformação dos sistemas agroalimentares. Isso foi reforçado por relatório recém-publicado da FAO e por mais de 70 lideranças globais em carta aberta dirigida aos presidentes da Colômbia e do Brasil, que no próximo ano sedia a COP30, do clima.
Terminada a COP16, qual é o saldo? 119 países apresentaram metas nacionais de biodiversidade vinculadas às 23 metas do KMGBF; mas apenas 44 – entre eles não está o Brasil -anunciaram sua EPANB,gerando insegurança e desconfiança sobre os meios de implementação das metas anunciadas.
Uma das definições mais festejadas é a criação de novo órgão subsidiário permanente para que povos indígenas e comunidades locais possam influir nos processos de tomada de decisão. É algo relevante, uma vez que estas populações são responsáveis pela conservação de boa parte dos ecossistemas mais diversos.
As negociações sobre biodiversidade e saúde, por sua vez, produziram um chamado para se abordar as interdependências entre biodiversidade e saúde em políticas e estratégias nacionais. Houve menções aos vínculos entre mudanças climáticas, agricultura e produção de alimentos. Mas a linguagem adotada sobre temas críticos como ultraprocessados, consumo de proteína animal e desmatamento foi suavizada.
O grande entrave continua sendo o financiamento. A COP16 terminou sem acordo abrangente sobre o tema. Entre as novidades está o Kunming Biodiversity Fund (KBF) – lançado com contribuição de US$ 200 milhões da China, apoiará ações para acelerar a Agenda 2030 e os ODS e as metas pactuadas em Kunming-Montreal, particularmente em países em desenvolvimento. E um novo mecanismo, o Cali Fund, foi criado para financiara conservação da biodiversidade e a repartição de ganhos com populações tradicionais, a partir de contribuições (voluntárias) sobre uso de informação genética. Isso se aplicaria a grandes empresas farmacêuticas ou agroalimentares.
Por outro lado, havia o compromisso de que os países ricos contribuiriam com US$ 20 bilhões para o Fundo Global da Biodiversidade até 2025, valor já considerado tímido, mas as doações não chegaram a US$ 500 milhões. Tampouco houve avanços na criação de fundo específico, separado do Fundo Global para o Meio-ambiente, como reivindicado por muitos países e organizações ambientalistas. A OCDE fala em aproximadamente US$ 15 bilhões de financiamento da biodiversidade mobilizados por vários meios. Disto, porém, apenas um quarto está endereçado aos sistemas agroalimentares, principal vetor de degradação.
O problema não se resume ao fato de que os recursos para conservação da biodiversidade são pouco perante a necessidade. O quadro é mais dramático quando se considera o volume do que segue sendo investido em atividades que provocam degradação. O relatório State of Finance for Nature, do Programa das Nações Unidas para o Meio-ambiente, estima que os fluxos financeiros negativos para a natureza são 140 vezes superiores ao que é aplicado em soluções.
Especificamente sobre biodiversidade, é necessário redirecionar nada menos do que US$ 500 bilhões em subsídios a setores que contribuem para sua destruição. O Brasil é exemplo disso, com boa parte do financiamento público a setores produtivos sendo direcionado a commodities agropecuárias com forte impacto sobre desmatamento e aumento da monotonia dos sistemas agroalimentares.
Corretamente, a COP16 destacou a necessidade de aproximar mais as negociações e os mecanismos de governança global da biodiversidade e das mudanças climáticas. As atenções agora se voltam à COP29, do clima, que acontece em Baku e, principalmente, à COP30, a ser realizada no Brasil, em 2025, quando se completam dez anos do Acordo de Paris. O balanço até aqui não é positivo. Os países precisarão não apenas renovar seus compromissos, mas anunciar metas ainda mais ambiciosas, com os respectivos meios de implementação para tentar reverter o aquecimento do planeta. Se os entraves observados em Cali se repetir em até Belém, seguiremos rumo a um cenário de não alcance das metas do Marco Global de Biodiversidade, do Acordo de Paris, e dos ODS, o que será simplesmente desastroso. A eleição de Trump complica ainda mais tudo isso.