O ano de 2023 foi o mais quente da história. E o quê a sua alimentação tem a ver com isso?
O ano de 2023, além de ser o mais quente já registrado, também marca a primeira vez em que todos os dias, de 1º de janeiro a 31 de dezembro, ficaram 1°C acima da era pré-industrial. E o quê a sua alimentação tem a ver com isso? É importante saber que o atual sistema agroalimentar cria um “ciclo vicioso”, no qual os impactos climáticos podem aprofundar a insegurança alimentar. Ou seja, a forma como os alimentos são produzidos e distribuídos contribui para as mudanças climáticas, que, por sua vez, influenciarão na diminuição da produção e tornarão nossa alimentação menos nutritiva.
O sistema agroalimentar é bastante amplo e complexo, e envolve todos os elementos – ambiente, pessoas, insumos, processos, infraestrutura, instituições – e também as atividades relativas à produção, ao processamento, à distribuição, ao preparo e ao consumo de alimentos, englobando também vetores como os ambientais, os políticos, econômicos, e socioculturais, além de subsistemas, como as cadeias de suprimento de alimentos, os ambientes alimentares, o comportamento alimentar e as dietas dos indivíduos.
A partir da Revolução Industrial, as atividades humanas têm sido o principal causador do aumento de temperatura, que é decorrente da elevada emissão de gases de efeito estufa, sobretudo devido à queima de combustíveis fósseis, desmatamento e agropecuária intensiva. Essas atividades têm provocado redução da biodiversidade, além do aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como secas, enchentes e tornados, que vêm ficando conhecidas como “mudanças climáticas”.
O atual modelo de produção no Brasil tem priorizado o plantio de commodities, ou seja, matérias-primas de baixo valor agregado, como soja e milho, que são cultivadas numa lógica de monoculturas em amplas extensões de terra.
Há 10 anos, na safra 2013/2014, a soja ocupava 30,1 milhões de hectares do Brasil. De lá pra cá, a leguminosa se espraiou pelo território nacional e alcançou os 43,8 milhões de hectares.
Na próxima década, chegará aos 55,8 milhões, segundo projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o que significa um aumento de 85% em 20 anos.
Além do impacto ambiental, a expansão desse modelo de produção também causa a expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios, agravando o cenário da fome em nosso país.
As ondas de calor extremo têm sido cada vez mais frequentes e mais intensas. Nessa situação, é comum que as orientações dos nutricionistas sejam para nos mantermos bem hidratados e consumir alimentos frescos, leves e nutritivos como saladas coloridas, frutas e legumes frescos, e cereais integrais, sempre priorizando a variedade de alimentos in natura e minimamente processados.
Mas será que isso será possível em um futuro próximo?
Uma importante consequência das mudanças climáticas é o prejuízo à composição dos alimentos, o que aumentará o desafio de acabar com a fome e alcançar a segurança alimentar e nutricional em todo o mundo – alguns dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Altas concentrações de CO2 na atmosfera ameaçam reduzir os teores de nutrientes essenciais de alimentos básicos.
A concentração elevada de CO2 pode reduzir o teor de ferro e zinco em grãos e, além desses, também o teor de cálcio e magnésio em vegetais de raiz, como mandioca, batata, cenoura e beterraba.
Isso cria ainda mais dificuldade de planejamento: agricultores e pecuaristas organizam a produção a partir da sazonalidade climática, mas eventos extremos trazem imprevisibilidade.
A perda de safras impacta tanto na disponibilidade quanto no preço dos alimentos, tornando-os mais caros. Até 2050, o aquecimento global pode reduzir as áreas de cultivo de café e a produção de milho pode cair 25%. No norte do Brasil, produtores já enfrentam dificuldades no cultivo do açaí e comunidades indígenas sofrem com a escassez de mandioca, que é central em sua cultura alimentar.
As mudanças climáticas têm sido apontadas por estudos como um elemento potencial de aumento global nas taxas anuais de inflação de alimentos em até 3,2% ao ano até 2035.
A crise climática influenciada pelo atual sistema agroalimentar e suas consequências sobre as diferentes formas de má-nutrição – fome, desnutrição e obesidade – são um grande risco para a humanidade, num processo chamado de sindemia global.
A sindemia considera que as pandemias da obesidade e da desnutrição encontram-se atreladas às mudanças climáticas no tempo presente e na causalidade e consequências de cada uma delas. No Brasil, a sindemia se reflete no cenário de aumento da fome concomitante ao aumento da obesidade, o que está relacionado ao aumento do consumo de produtos ultraprocessados.
Em 2024, a ONU listou 5 ações para impedir os danos das mudanças climáticas na alimentação:
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