Sistema agroalimentar e mudanças climáticas

O ano de 2023 foi o mais quente da história. E o quê a sua alimentação tem a ver com isso?

O ano de 2023, além de ser o mais quente já registrado, também marca a primeira vez em que todos os dias, de 1º de janeiro a 31 de dezembro, ficaram 1°C acima da era pré-industrial. E o quê a sua alimentação tem a ver com isso? É importante saber que o atual sistema agroalimentar cria um “ciclo vicioso”, no qual os impactos climáticos podem aprofundar a insegurança alimentar. Ou seja, a forma como os alimentos são produzidos e distribuídos contribui para as mudanças climáticas, que, por sua vez, influenciarão na diminuição da produção e tornarão nossa alimentação menos nutritiva.

Brasil e o sistema agroalimentar atual

O sistema agroalimentar é bastante amplo e complexo, e envolve todos os elementos – ambiente, pessoas, insumos, processos, infraestrutura, instituições – e também as atividades relativas à produção, ao processamento, à distribuição, ao preparo e ao consumo de alimentos, englobando também vetores como os ambientais, os políticos, econômicos, e socioculturais, além de subsistemas, como as cadeias de suprimento de alimentos, os ambientes alimentares, o comportamento alimentar e as dietas dos indivíduos.

  • Os sistemas alimentares responderam por mais de 73% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil em 2021;
  • As emissões têm origem principalmente no desmatamento (56%), agropecuária (34%) e energia (6%);
  • O desmatamento é o principal responsável por 70,6% das emissões das cadeias produtivas da carne bovina, seguido pelas emissões diretas do rebanho (29,9%).

Mudanças climáticas

A partir da Revolução Industrial, as atividades humanas têm sido o principal causador do aumento de temperatura, que é decorrente da elevada emissão de gases de efeito estufa, sobretudo devido à queima de combustíveis fósseis, desmatamento e agropecuária intensiva. Essas atividades têm provocado redução da biodiversidade, além do aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como secas, enchentes e tornados, que vêm ficando conhecidas como “mudanças climáticas”.

Plantio de commodities

O atual modelo de produção no Brasil tem priorizado o plantio de commodities, ou seja, matérias-primas de baixo valor agregado, como soja e milho, que são cultivadas numa lógica de monoculturas em amplas extensões de terra.

Há 10 anos, na safra 2013/2014, a soja ocupava 30,1 milhões de hectares do Brasil. De lá pra cá, a leguminosa se espraiou pelo território nacional e alcançou os 43,8 milhões de hectares.

Na próxima década, chegará aos 55,8 milhões, segundo projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o que significa um aumento de 85% em 20 anos.

Além do impacto ambiental, a expansão desse  modelo de produção também causa a expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios, agravando o cenário da fome em nosso país.

Outras emissões da agropecuária
  • Emissão de metano: fermentação entérica (processo digestivo do animal) e dos dejetos da pecuária bovina;
  • Emissão de óxido nitroso: decomposição do nitrogênio no esterco e na urina do gado e quando os nitratos de fertilizantes artificiais reagem com o oxigênio do ar (quase 300 vezes mais poderoso que o dióxido de carbono).
industrialização
  • Os alimentos ultraprocessados demandam uma grande quantidade de terra em sua produção, principalmente aqueles de origem animal, como as carnes processadas (Ex.: hambúrgueres, embutidos);
  • Também demandam alta quantidade de energia ao longo de todas as etapas da cadeia produtiva (processamento, produção de embalagens e transporte por longas distâncias).
transporte
  • Os produtos dependem do transporte rodoviário, que emite gases do efeito estufa pela queima de combustíveis, além dos gases fluorados(HFCs), devido à refrigeração de caminhões frigoríficos.

O ano de 2023 foi o mais quente da história. E como isso afeta  a sua alimentação?

As ondas de calor extremo têm sido cada vez mais frequentes e mais intensas. Nessa situação, é comum que as orientações dos nutricionistas sejam para nos mantermos bem hidratados e consumir alimentos frescos, leves e nutritivos como saladas coloridas, frutas e legumes frescos, e cereais integrais, sempre priorizando a variedade de alimentos in natura e minimamente processados.

Mas será que isso será possível em um futuro próximo?

Uma importante consequência das mudanças climáticas é o prejuízo à composição dos alimentos, o que aumentará o desafio de acabar com a fome e alcançar a segurança alimentar e nutricional em todo o mundo – alguns dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Altas concentrações de CO2 na atmosfera ameaçam reduzir os teores de nutrientes essenciais de alimentos básicos.

prejuízo à composição nutricional

A concentração elevada de CO2 pode reduzir o teor de ferro e zinco em grãos e, além desses, também o teor de cálcio e magnésio em vegetais de raiz, como mandioca, batata, cenoura e beterraba.

PErda da produção
  • O estresse por calor reduz a frutificação e acelera o desenvolvimento de vegetais;
  • O amadurecimento acelerado dos frutos pode levar à perda de safras, ainda no plantio, e a um elevado desperdício em toda a cadeia de produção, distribuição e consumo;
  • Chuvas intensas e localizadas, alternadas com períodos de seca, podem ser bastante prejudiciais ao bom desenvolvimento de vegetais, especialmente das hortaliças e frutas mais sensíveis.
impacto para os produtores

Isso cria ainda mais dificuldade de planejamento: agricultores e pecuaristas organizam a produção a partir da sazonalidade climática, mas eventos extremos trazem imprevisibilidade.

A perda de safras impacta tanto na disponibilidade quanto no preço dos alimentos, tornando-os mais caros. Até 2050, o aquecimento global pode reduzir as áreas de cultivo de café e a produção de milho pode cair 25%. No norte do Brasil, produtores já enfrentam dificuldades no cultivo do açaí e comunidades indígenas sofrem com a escassez de mandioca, que é central em sua cultura alimentar.

As mudanças climáticas têm sido apontadas por estudos como um elemento potencial de aumento global nas taxas anuais de inflação de alimentos em até 3,2% ao ano até 2035.

Sindemia global

A crise climática influenciada pelo atual sistema agroalimentar e suas consequências sobre as diferentes formas de má-nutrição – fome, desnutrição e obesidade – são um grande risco para a humanidade, num processo chamado de sindemia global.

A sindemia considera que  as pandemias da obesidade e da desnutrição encontram-se atreladas às mudanças climáticas no tempo presente e na causalidade e consequências de cada uma delas. No Brasil, a sindemia se reflete no cenário de aumento da fome concomitante ao aumento da obesidade, o que está relacionado ao aumento do consumo de produtos  ultraprocessados.

Em 2024, a ONU listou 5 ações para impedir os danos das mudanças climáticas na alimentação:

  • promover mudanças na produção agrícola industrial, evitando que influencie ainda mais no aquecimento do planeta;
  • promover reforma agrária e oferecer  proteção social universal;
  • garantir que as empresas atuem de forma responsável para enfrentar as alterações no clima;
  • estimular abertura de espaço fiscal para mobilizar financiamento para as políticas necessárias;
  • fortalecer a transição para sistemas alimentares sustentáveis, com apoio à agroecologia e sistemas de produção mais resilientes. 

Referências

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